“A HISTÓRIA DOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS”: MEMÓRIAS DA ADOÇÃO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS EM UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA MESORREGIÃO SUDESTE DO PARÁ
Anástacia Pavão Oliveira- Mestranda em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia
Bolsista FAPESPA anastaciapavao@unifesspa.edu.br
Andréa Hentz de Mello – Professora do Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia andreahentz@unifeespa.edu.br
Cristiano Bento da Silva – Instituto de Estudos do Xingu cristiano@unifesspa.edu.br
RESUMO: A mesorregião sudeste do estado do Pará tem sido estruturada, ao longo dos anos, com base no uso intensivo dos recursos naturais a partir de propostas de desenvolvimento exógenas materializadas em plantio de pastagem e na pecuária, as quais configuram atividades hegemonizantes. A despeito deste aspecto socioeconômico e histórico, é fundamental demarcar que outras dinâmicas se impõe neste espaço social e geográfico. Em função disso, o objetivo desta pesquisa é refletir e analisar a implantação de módulos de sistemas agroflorestais (SAF) em assentamento de projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) na região em tema. Os testemunhos e narrativas de um técnico agropecuário, que atuou com assessoria pela Comissão Pastoral da Terra – CPT – na implantação de SAFs no PDS Porto Seguro, em Marabá/PA, constitui o material objeto da análise. O aporte de referenciais bibliográficos contribuiu para a reflexão, e o diálogo com o testemunho do interlocutor permitiu uma aproximação com o processo de implantação de SAFs no PDS-Porto Seguro. A análise do testemunho e das memórias permite sinalizar que a adoção dos SAFs na mesorregião sudeste do Pará vai além de uma proposta meramente tecnológica, pois constitui sobretudo uma estratégia de sobrevivência e resistência no processo de luta e permanência pela/na terra.
PALAVRAS-CHAVE: Agrofloresta; Resistência; PDS Porto Seguro.
INTRODUÇÃO
A região da Amazônia brasileira, de modo geral, foi constituída pela ação de distintas frentes de expansão, pautada por sujeitos cujas historicidades são distintas, razão pela qual o conflito entremeia a sua dinâmica social. A mesorregião sudeste do Pará, local onde a reflexão para este trabalho está ancorada, teve seu período de colonização apoiado em políticas de desenvolvimento baseadas no uso da natureza como fonte de recurso econômico. Deste processo destacam-se os períodos de exploração do caucho, da borracha, da castanha do Pará, da agropecuária e mineração (VELHO,1981).
As frentes de expansão sempre estiveram marcadas pela presença de distintos atores sociais, que estabeleceram/estabelecem relações peculiares com a natureza. Isto ocorre de diversos modos, pois os atores possuem referências societárias diferentes e, orientados por essas experiências, põe em curso suas formas de trabalho e lógicas de produção específicas. Eles passam, então, a disputar o espaço geográfico não apenas com o objetivo de construir a sua existência material, mas sobretudo com vistas a reproduzir as suas territorialidades, isto é, os seus modos de vida na relação com o território. As territorialidades, sendo muito contrastantes entre si, revelam um cenário pautado por conflitos agrários, sobretudo pela posse da terra, tendo em vista que cada grupo pretende impor a sua forma de relação e significação do território (ACSELRAD, 2004; MICHELLOTI et al., 2011).
Foi, portanto, nesse contexto de luta pela terra, pela construção do território e pela imposição de suas territorialidades que os agricultores do atual projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) Porto Seguro, localizado no município de Marabá, mesorregião sudeste do Pará, se territorializaram depois do processo de ocupação da antiga Fazenda Balão II. O Plano de uso estabelece atividades consideradas de baixo impacto ambiental como norteadoras das práticas agrícolas e pecuária do PDS (INCRA 2016; 2015).
Tendo em vista questões como estas é que o objeto de estudo deste trabalho se delineou. Assim, a pesquisa analisa a implantação de módulos de sistemas agroflorestais (SAF) na categoria de assentamento de projeto de desenvolvimento sustentável (PDS), na mesorregião sudeste do Pará.
2. METODOLOGIA
A base metodológica utilizada para a construção desta pesquisa foi a história oral. A história oral, consoante a definição da historiadora Lucília Neves de Almeida Delgado, é “um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões” (DELGADO, 2010, p. 15). Assim, chama a atenção para o fato de que essa metodologia não almeja ter acesso aos fatos tal qual ocorreram. Desse modo, não chega a ser tão pretensiosa. Em palavras mais diretas, ela não vislumbra “um compartimento da história vivida, mas, sim, o registro de depoimentos sobre essa história vivida (DELGADO, 2010 p. 15). O que importa, nesse sentido, é como as pessoas reelaboram o passado a partir de suas experiências e de quem elas são no tempo presente.
Enfatiza-se que o gênero aqui abordado foi a história oral e de vida que, segundo Meihy (2014), possibilita ir além da aquisição de dados, mas avançar na possibilidade de um olhar subjetivo das experiências vividas do depoente. Silveira (2007) demonstra que a entrevista se constitui em uma das principais ferramentas da história oral, e o entrevistador deve se apoiar nesta na perspectiva de fonte, uma fonte oral, haja vista a importância que carrega “o registro de qualquer recurso que guarda vestígios de manifestação da oralidade humana” (MEIHY, 2014 p. 13).
No caso da pesquisa em tela, a entrevista foi realizada com o assessor técnico já mencionado. Houve, nesse sentido, a assinatura de um termo de autorização de uso de imagem e depoimentos. Embora tenha havido esse procedimento, ainda sim iremos preservar a imagem e aqui ele será chamado de Antônio. A entrevista foi realizada no dia 27 de agosto de 2019, por 1 hora e 10 minutos. Para a condução da entrevista foi utilizado um questionário semiestruturado, com auxílio de gravador para posterior transcrição.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A frase em itálico no título deste trabalho advêm da memória de Antônio, técnico em agropecuária atuante na assistência técnica na mesorregião sudeste do Pará desde 1996, após recém-formado na Escola Agrotécnica de Araguatins, no estado do Tocantins. Antônio se dispôs a compartilhar comigo recortes da sua experiência de vida e o meu escutar é carregado principalmente das experiências que tive enquanto agrônoma, formada na perspectiva de imersão na agricultura familiar no sudeste do Pará, assim como minha sensibilidade de extensionista rural, agora mestranda em um Programa de Pós-Graduação interdisciplinar em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia (PDTSA/UNIFESSPA).
A entrevista concedida foi realizada na lateral do prédio central do Instituto Federal do Pará (IFPA), Campus Rural de Marabá (CRMB), seu atual local de trabalho como Técnico Agropecuário. A fraca brisa permitiu que a conversa durasse até as proximidades do meio dia, logo que conversávamos na sombra de uma mangueira.
É no pulsar da luta pela terra que Antônio inicia sua narrativa, e coloca que para contar a história dos sistemas agroflorestais (SAFs) no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Porto Seguro é necessário recuperar e visibilizar a sua história.
Depois que me formei técnico agropecuário em Araguatins, que foi em 96.Em 96 a primeira experiência de trabalho foi lógico em uma loja de vender veneno e depois eu trabalhei em fazenda aqui próximo, que trabalhava com plantio de eucalipto, produção de carvão e criação de gado. Essa foi a minha segunda experiência de trabalho, então nessa fazenda eu passei acho que uns 6 meses por algumas situações complicadas, com o movimento sindical, com o movimento sem-terra. Foi quando eu tive mais raiva do movimento. Porque na época eu vinha de uma formação e na fazenda sempre tinha um grupo armado, um grupo de pistoleiro, sempre ficava um grupo de 15 pessoas. Então sempre ficava uma turma na fazenda e uma turma na cidade descansando. E esses cara pra manter o emprego dele, eles ficava fazendo terrorismo com quem trabalhava na fazenda. Então, o que acontece? Ficava uma turma aqui dentro da fazenda e uma turma que ficava fora descansando, eles ficavam atirando, né, por cima da sede da fazenda. Então toda semana, tinha esse negócio de tiroteio, então toda semana os culpados era o movimento sem-terra que tava querendo invadir a fazenda. Então fui criando essa antipatia no movimento por causa disso, era um inferno nessa fazenda. Com tempo aconteceu uma situação de agressão a um trabalhador que foi pego na fazenda e aí eu vi aquela situação, e vi que aquilo não é pra mim (Antônio. Entrevista concedida em 27 de agosto de 2019).
Compreendendo as práticas de coerção do latifúndio pela violação do corpo, Antônio testemunhou que passou então a se aproximar dos movimentos sociais presentes na região quando foi atuar como extensionista rural no Projeto Lumiar, no Assentamento Padre Josimo, em Conceição do Araguaia- PA. Para comunicar essa situação recorre à seguinte metáfora: “Então, quando eu cheguei em 98, digamos que já encontrei a onça morta. Digamos que todo o processo de luta pela terra, eles já tinham conquistado” (negrito nosso).
Nesse contexto o entrevistado passa a ter contato com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará – Fetagri – Comissão Pastoral da Terra, esta última foi um processo de alianças de trabalho constituídos nas atividades seguintes atuando na Coopatiorô e Coopserviços, que eram prestadoras de serviços de assistências técnica para a agricultura familiar, que por esse motivo passavam a estabelecer contatos de suas atividades com os movimentos sociais. Em sua narrativa, assinala inclusive que a Coopatiorô nasce da articulação dos movimentos sociais.
Em 2006, Antônio estabelece uma relação mais orgânica com a CPT, assim como dispõe em seu testemunho. Neste momento, após participar de um processo seletivo passa a contribuir com a CPT em sua proposta de assessoria, vista por ele como atividade de formação, que permite conhecer e ser conhecido.
Assim, passo a atuar no PDS Porto Seguro, que na época era acampamento. O PDS ele é de 2004, a primeira ocupação dele é de junho de 2004. Então, quando eu cheguei já tinha 1 (um) ano e pouco de atividades lá no PDS. Aí minha aproximação com o PDS começa em janeiro de 2006. O trabalho da CPT, no bojo todo ele é trabalho de formação. No início de todas as áreas de acampamento a CPT sempre tenta fazer, conhecer com quem tá lidando. Então, a CPT tem uma dinâmica de atividades de tá muito próximo das famílias do assentamento, para ir conhecer e também se deixar conhecer. Então isso acaba ajudando em processo de confiança das famílias e também da própria equipe da CPT. Então, porque a maioria das pessoas, por exemplo, do PDS Porto Seguro eram aquelas pessoas que moravam em Marabá, por mais que os pais tinham um vínculo com a terra a maioria das pessoas eram pessoas que moravam na cidade, viviam de pequenos trabalhos informais, não tinham um vínculo forte com a terra. Então, a gente fazia sempre um trabalho intenso de tá presente no acampamento e trabalhando a questão da organicidade do grupo de família, isso trabalhando com o grupo sindical, com o sindicato de trabalhadores e trabalhadoras aqui de Marabá, o STR de Marabá e a Fetagri” (Antônio. Entrevista concedida em 27 de agosto de 2019).
Ao ouvir o testemunho de Antônio observei a mudança dos verbos na sua forma infinitiva, ao se referir a dois termos específicos, distante do uso político que conferem os movimentos de luta pela terra e por casa: invadir e ocupar. Na luta pela terra, os termos não pertencem a mesma semântica. A mudança no uso dos verbos na sua forma infinitiva – de invasão para ocupação – remete a diferentes significados recheados da percepção do campo como território, espaço de re-existência e de consolidação de suas territorialidades.
Uma vez inserido na dinâmica do latifúndio, o processo de luta pela terra passa a ser visto como invasão, portanto, como uma prática eivada de ilegalidade. Por outro lado, quando é articulado discursivamente pelos movimentos sociais é tratado como ocupação, no sentido de que, a grosso modo, não é uma ação ilegal e de que o que se ocupa é propriedade cujas características jurídico-legais podem resultar em reforma agrária. Mas a ocupação também tensiona o Estado para a resolução de um problema concreto do Brasil: a reforma agrária estar ainda por fazer. O verbo ocupar se faz presente, remetendo ao olhar de um território cheio de possibilidades, que não está utilizado em seu total potencial com a concentração de posse em um único dono, característico do latifúndio.
Considerações sobre o território como um campo de possibilidades, arranjos de integração e auto-organização passam a marcar o testemunho.
E quando conquista a terra? O que vamos fazer com a terra? Então, naquele momento a gente começava, a discutir a temática da produção. Aí a temática da produção ela é junta, ela não se dissocia da temática da auto-organização, então ela sempre, desde o início é uma temática que tá sempre junta da temática da CPT. (...) “E aí começa pelo os próprios trabalhadores de colocar seus pequenos módulos. Então isso começa com duas figuras chaves do assentamento: que é o seu Geraldo e era seu João Rodrigues, que até faleceu que era o esposo da dona Sônia. Começa com eles, digamos que eles são os pioneiros na implantação de sistemas agroflorestais. (Antônio. Entrevista concedida em 27 de agosto de 2019).
Iniciativas de troca de saberes, intercâmbios em estabelecimentos agrícolas diversificados passam a contribuir para posterior materialização dos SAFs no PDS Porto Seguro. Antônio narra que em 2008 o INCRA foi proibido de criar assentamento em área com fragmentos florestais destinados a reserva legal. Desta forma, no cenário social e político que margeia a mesorregião sudeste do Pará, algumas provocações passam a surgir: qual significado passa a ter os sistemas agroflorestais, na consolidação de um projeto de desenvolvimento sustentável inserido na mesorregião sudeste do Pará?
E começaram a fazer a coleta das frutas das sementes dos próprios pés de cupú nativos. A CPT inicia também com o fornecimento de sementes, sacolas, montagem de viveiro para produção de mudas, né?Com esse incentivo, mas esses dois começam mesmo que por conta própria e começam a implantação de sistemas agroflorestais alí na área. Pra completar essa história dos sistemas agroflorestais, em 2008 o INCRA é impedido de criar áreas de assentamentos em áreas de florestas nativas. O INCRA ele é proibido em criar assentamento em área de floresta nativa, e o que então fazer com as famílias do PDS? (...) E agora, as famílias já muito cansadas de tá na luta por aquela terra lá e o que fazer vamos procurar uma alternativa pra manter as famílias na áreas.
(...)
Mas aí junto com o sindicato, o Incra, a CPT e um rapaz chamado Zacarias do INCRA eles começam a pensar. Então tem uma alternativa que pode ser a criação de um PDS. Então daí começa a história de criar um PDS, porque o PDS é uma modalidade de assentamento. O que tem na região é só PA, tem o PA, tem o Agroextrativista e aqui na região cada modalidade dessa tem seu público específico. Então a alternativa que foi encontrada naquele momento foi encontrar o PDS, vamos criar o PDS, mas mesmo sabendo que a região tem uma aptidão muito grande pela pecuária bovina. (Antônio. Entrevista concedida em 27 de agosto de 2019).
É no processo de luta pela terra que os sistemas agroflorestais se materializam na dinâmica do PDS Porto Seguro, que entre despejos que passou o acampamento Quilombo dos Palmares II, posteriormente Acampamento Balão II (nome da fazenda ocupada), estabeleceu maior segurança com a concessão da posse da terra. A modalidade foi baseada na Portaria INCRA/P/nº 477 de 04 de novembro 1999 que estabelece Projeto de Desenvolvimento Sustentável pautado pela Política Nacional de Reforma Agrária como um fator de conservação dos biomas brasileiros e da floresta Amazônica. A referida portaria dispõe:
Art. 1º Criar a modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, de interesse social e ecológico, destinada às populações que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em outras atividades de baixo impacto ambiental (BRASIL,1999).
Assim, as relações dos sistemas que pulsam nesse território, de reproduzir-se com a mata em pé em plena mesorregião sudeste do Pará que teve como uma de suas frentes de expansão a pecuária extensiva, as memórias de Antônio se constituiu imbricada a dinâmica agrária da região, na solidificação de territorialidades de distintos atores e como estes podem atuar sobre os sistemas agrários regionais.
Mazoyer e Roudart (2010) colocam que os sistemas agrários se modificam no tempo e no espaço, onde no plano de fundo da narrativa de Antônio pode-se perceber que esse modificar pode apresentar-se com um desafio para a comunidade do PDS Porto Seguro, que está inserida em uma região que historicamente exerceu a pecuária extensiva e agora assume o desafio de, com a posse da terra, adotar a diversificação dos sistemas de produção e manter a paisagem formada por uma floresta em pé, que será seu campo de reprodução social.
Segundo Raynault (2018) a reprodução social se constitui dinamicamente, onde processos de transformações e adaptações perpassam as distintas mudanças. O autor compreende reprodução social como “o campo onde se ordenam as relações sociais, onde se organizam as instituições e onde se confrontam as estratégias particulares (RAYNAUT, 2018 p. 341).
No testemunho de Antônio é possível observar que a reprodução social dos agricultores do PDS Porto Seguro teve na adoção de SAF uma alternativa para sua consolidação no território, pois contribuiu no processo de organização e também na constituição de redes de comercialização, no caso as feiras que são realizadas em período pré-definidos nos campus da Unifesspa, da Universidade Estadual do Pará (UEPA), assim como na Cepasp.
No entanto, observa-se no testemunho a preocupação em relações sociais e econômicas que podem conferir relações de incertezas para o PDS. O primeiro constitui-se na configuração da paisagem, que por ser margeado por pastagens tem maior suscetibilidade a investida de fogo sobre as florestas nativas, como também para os módulos de SAFs implantados que constituem o sistema de produção dos estabelecimentos familiares agrícolas. A presença física da escola, mas a ausência do seu funcionamento traz elementos de preocupação, pois na dinâmica de outros movimentos sociais a escola é símbolo da presença de ocupação do território, pois além de um local de luta apresenta-se como um local para o encontro da comunidade e organização.
Assim, ao pensar as narrativas expostas por Antônio não é possível ater-se apenas em uma leitura determinística de ora conta sua história, ora conta a história dos sistemas agroflorestais no PDS, ou ora conta a história da mesorregião sudeste, pois assim como observa Delgado (2003) “as narrativas são traduções dos registros das experiências retidas, contêm força da tradição e muitas vezes relatam o poder de transformações (DELGADO, 2003 p. 23) ”. Desta forma, as narrativas remetem a memórias, memórias de um passado bem presente na atual dinâmica regional.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As memórias reportadas nos levam para além de uma ação técnica de implantação de módulos de SAFs, mas nos aproximam da reflexão do significado da implantação de módulos de SAFs em uma região marcada pelo processo de luta pela terra e consolidação da pecuária extensiva, sinalizando-se como alternativa de resistência para reprodução social dos agricultores do PDS Porto Seguro.
REFERÊNCIAS
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DELGADO, L. de A. N. História Oral – memória, tempo, identidades. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2010. 136p.
DELGADO, L. de A. N. História oral e narrativa: tempo, memória e identidade. In: 4 Encontro Nacional de História Oral – Conferência aberta. 2003.
DUBOIS, J. Manual agroflorestal para a Amazônia. vol. 1. Rio de Janeiro: REBRAF, 1996.
HÉBETTE, J. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. - Belém: EDUFPA, 2004 (volumes I a IV).
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MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História Oral: como fazer, como pensar. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2014. 175 p.
MICHELOTTI, Fernando.; RIBEIRO,B.; SOUZA,H.; FREITAS, R.L.de A. O agrário em questão: uma leitura sobre a criação dos assentamentos rurais no sudeste do Pará. In: HENTZ,A.M.; MANESCHY,R.Q. (Org) Práticas Agroecológicas: Soluções sustentáveis para a agricultura familiar na região sudeste do Pará: Paco Editorial,2011,p. 49-66.
RAYNAULT,C. O desenvolvimento e as lógicas da mudança: a necessidade de uma abordagem holística. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 47, p. 337-392. 2018.
SILVEIRA, E. da S. História Oral e memória: pensando um perfil de historiador etnográfico. Revista de História e Cultura da Universidade de Caxias do Sul - MÉTIS: história & cultura – v. 6, n. 12, p. 35-44, jul./dez. 2007
SOUZA, M. V. M. Ação do Estado e as transformações socioespaciais da Amazônia na segunda metade do século XX e implicações no Sudeste Paraense. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Geografia- Universidade Federal de Uberlândia, 2015. p. 51-92.
VELHO, O. Frentes de Expansão e Estrutura Agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. [2. ed]. Rio de Janeiro: Zahar. 1981. 178p.
Considerando estudos que apontam que a pecuarização também é uma realidade da agricultura familiar na Amazônia, qual a percepção dos autores sobre a pecuária de corte e as possibilidades de reprodução social da agricultura familiar?
ResponderExcluirOlá profa. Laila, interessantíssimo o questionamento que você levanta. O primeiro passo para discutir-se agricultura familiar é compreender de que agricultura familiar estamos analisando, sendo interessante uma demarcação do território e não estigmatizar a pecuária como danosa, mas compreender que em um território que é marcado pela ausência de políticas públicas que subsidiam a permanência na terra como acesso ao crédito e assistência técnica não dispõe de estratégias que garantam a reprodução social.Acredito que é possível considerar dois pontos importantes. O primeiro que como coloca Raynault (2018) e Lessa (1996) a reprodução social é dinâmica, assim essas dinamicidades são expressas nas estratégias de relações de trabalho. O segundo ponto que considero importante é analisar a agricultura familiar na mesorregião sudeste do Pará. Assim é importante considerar que: i) A agricultura familiar no sudeste do Pará baseia-se na abertura de área e manejo de pastagens sob a prática de corte e queima, que sob uso contínuo diminui o potencial de uso das pastagens da região. ii) A bovinocultura apresenta-se em maioria com a dupla aptidão, o que confere rendas mensais com o leite e venda de bezerros, apenas o estabelecimento de bovinocultura de corte sem condições financiamento e assistência que contribuam para a permanência na terra, torna-se inviável, avançando para necessidade de venda de mão de obra e por muitas vezes o êxodo rural.
ExcluirO SAF é abordado por diversos autores como um sistema de alternativo que pode garantir o uso sustentável da terra e ainda impulsionar a produtividade. Qual a percepção dos autores sobre a utilização desse sistema de produção para a promoção da segurança alimentar dos agricultores familiares da região, frente a nova situação de crise social causada pela pandemia ?
ResponderExcluirOlá, Alini. Grata pela pergunta. O sistema agroflorestal por caracterizar-se pela diversificação e, ainda sendo compostos por espécies de múltiplos usos como mandioca, andiroba, açaí, banana dentre outras, possibilitam a diminuição das relações de incertezas que passam a serem diluídas nas diferentes fontes de renda dos estabelecimentos familiares agrícolas.
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ResponderExcluirOi, Anastacia! Parabéns por sua pesquisa! É sempre muito bom ler sua escrita! Gostaria de saber, diante de sua experiencia como pesquisadora e como extensionista no campo, quais os maiores desafios que percebes para a implantação e manuntenção dos Sistemas Agroflorestais na nossa região?
ResponderExcluirAna Lenira Nunes Cysne de Souza
Olá, Ana Lenira! Obrigada, suas provocações sempre acrescentam muito na construção pesquisa. No território que estamos inseridos sistemas agroflorestais são circundados por várias relações de incertezas: i) A perspectiva de que apenas a pecuária extensiva, através do estabelecimento de pastagem é que asseguram a permanência na terra; ii) Relações internas de dúvidas dos agricultores em disponibilizar sua mão de obra para o estabelecimento da atividade, logo que no início demanda uma quantidade maior de mão de obra, pois se adotará ciclos de implantação de culturas e nem sempre os núcleos familiares possuem a mão de obra suficiente, principalmente quando vivemos por fases de “envelhecimento do campo”; iii) A ausência de políticas públicas de acesso ao crédito e assistência que fortaleçam a adoção da atividade; iv) Orgãos promotores do Estado que motivem para a adoção a exemplo das Secretarias de Agricultura e Secretarias do Meio Ambiente dentre outros.
ExcluirBoa tarde a todos. Excelentes questionamentos. Gostaria de acrescentar que estamos considerando neste texto, que a reprodução social apresenta-se de forma dinâmica, a forma que esta assume será de acordo com os processos de mudanças dos sistemas, que por sua vez se constituirá através de processos de transformações e adaptações. Desta forma, nos baseamos em vários autores, dentre eles Raynault (2028), que define-se reprodução social como “o campo onde se ordenam as relações sociais, onde se organizam as instituições e onde se confrontam as estratégias particulares”. Assim, consideramos que a reprodução social é um processo dinâmico, passível de transformações e adaptações que são expressas nas dinâmicas de trabalho de acordo com as estratégias familiares.
ResponderExcluirNeste contexto de uso dos recursos naturais pensado como estratégia de desenvolvimento para a mesorregião sudeste do Pará, que desencadearam avanços da degradação da paisagem, é significativo a criação de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que adote atividades de baixo impacto ambiental. Assim, o Plano de Uso (PU) elaborado no processo de consolidação do PDS Porto Seguro, explicita a necessidade da adoção de atividades de baixo impacto ambiental nesta modalidade de assentamento da reforma agrária e dentre estas atividades, os SAFs demonstram-se como alternativa viável de produção. Abraços.